DN 23/10/2008
INVESTIMENTOS E SUBSÍDIOS
Maria José Nogueira Pinto
Jurista
Quando se torna público que a Segurança Social já perdeu 200 milhões de euros na sua carteira de investimentos, pareceria normal que o ministro Vieira da Silva explicasse, sentisse mesmo necessidade de explicar, como é que este fundo é gerido, quem decide das aplicações, que decisões foram essas, porque é que 500 milhões de euros foram aplicados no BPN (um banco de vida atribulada...), etc. Quanto mais não fosse para não tornar ridículas as lições de moral sobre o capitalismo e o mercado que o primeiro- -ministro nos prodigou, se o motivo maior - o de este fundo dizer respeito aos descontos e às reformas de cada um de nós - não relevar para o Governo. Isto porque o sistema de Segurança Social assenta numa base contratual: de uma parte, os activos que efectuam os seus descontos; da outra, o Estado que os recebe, assumindo a obrigação de garantir as suas reformas, bem como todas as outras prestações legalmente previstas e que fazem parte integrante deste contrato. Ora estas obrigações que o Estado assume deviam ser sagradas e qualquer incúria ou tentação de risco severamente censurados, quer por pôr em causa o financiamento em situações como doença, invalidez ou velhice, nas quais já não são possíveis rendimentos do trabalho, quer porque o Estado não pode, por definição, quebrar esta relação de confiança.Mas na outra vertente, a da Solidariedade, igualmente sob a responsabilidade do ministro Vieira da Silva, as dúvidas são muitas e os esclarecimentos escassos. Este outro pilar, de base não contratual, financiado pelo OE, ou seja, pelos nossos impostos, tem por objectivo assegurar bens sociais, serviços e prestações, através de redes e de programas que contribuam para erradicar a pobreza, nomeadamente pela garantia do acesso das famílias com baixos rendimentos a serviços sociais indispensáveis ou, nalguns casos, a prestações sociais pecuniárias. Na linha da propaganda fácil a que o Governo se habituou e nos habituou, o que sai cá para fora é uma injecção de 87 milhões de euros para distribuir pelas instituições de solidariedade em 2009. Dito assim, a generosidade parece grande mas se pensarmos que o Estado desenvolve a sua intervenção social dominantemente através destas instituições às quais paga comparticipações muito abaixo do custo real por utente e, frequentemente, com atraso, então surgem-nos sérias dúvidas nunca esclarecidas: é para reforçar ou para pagar os atrasados? A que IPSS? A novas para alargar a rede, o acesso e os serviços prestados ou às mesmas, como se de uma actualização da comparticipação se tratasse?Ainda no âmbito da Solidariedade, porque não apresenta o ministro uma avaliação, feita por entidade externa, do rendimento de inserção social, "vulgo" rendimento mínimo garantido? Quem o recebe, com que critérios e com que taxa de reintegração? E o complemento para idosos? Resultou de algum estudo e de uma preparação cuidadosa, como o ministro afirma ser necessário (e bem) para criar qualquer nova prestação social, sobretudo se pecuniária? Não. Foi apenas uma bandeira eleitoral e, até hoje, não fazemos ideia qual o impacto que teve na vida dos seus beneficiários. Mas sabemos, sim, que os serviços cruciais para o quotidiano dos idosos, sobretudo os isolados, e das famílias, sobretudo as de idosos dependentes, não tiveram alargamento ou inovação que justifique referência. Também seria de esperar que na actual crise o ministro publicitasse a avaliação dos programas nacionais para a erradicação da pobreza cujas causas, como sabemos, são estruturais e não dispensam a intervenção de verdadeiras políticas públicas. Mas nada, provavelmente porque nada pode ser dito, que valha a pena, nesta matéria.Consta que Vieira da Silva é o representante da ala esquerda do PS no actual Governo o que não deixa de ser desconcertante e só explicável se por isso entendermos satisfazer a voracidade deselegante do aparelho em vez da defesa dos tristemente desbotados princípios socialistas.