quinta-feira, 26 de junho de 2008

No DN " O QUE É O FERREIRISMO" - Opinião da Dra. Maria José Nogueira Pinto


O QUE É O 'FERREIRISMO'

Maria José Nogueira Pinto
Jurista



Num país onde o exercício da política foi entregue a habilidosos e vendedores de promessas, em que o sentido do serviço público se perdeu, em que preponderam os interesses pessoais, os estados de alma e os caprichos, em que se multiplicam as entradas de leão e as saídas de sendeiro, alguém que é fiável e confiável, que vive habitualmente, que conhece o real e o quotidiano, que distingue o essencial do acessório, que não desperdiça o tempo nem as energias, que não quer nada para si, que vem quando é difícil e que se apresenta exactamente como é, que junta princípios e competência para fazer é, no mínimo, auspicioso. Se isto é o "Ferreirismo" dou-me por satisfeita.A opinião publicada, que substituiu há muito a opinião pública em Portugal, ainda julga que os políticos são um produto vendável, como um detergente ou um refrigerante. Achei graça ao facto de os especialistas de marketing terem dito, em uníssono, "não lhe mudem a imagem!". Porque eles bem sabem que é hoje um valor político em alta o ser-se exactamente o que se parece e parecer exactamente o que se é. Manuela Ferreira Leite é confortavelmente normal e real, é tranquilizadoramente ela própria. E esse vai ser, também, um dos traços do "Ferreirismo": a normalidade de se ser mulher, mãe de família, avó, dona de casa, ministra duas vezes, líder parlamentar e primeira presidente de um partido político.Se houvesse por cá um cronómetro para medir o tempo que se gasta com o acessório e com o essencial, verificaríamos o que já sabemos empiricamente: grande parte das pessoas com responsabilidades de decisão não distingue o acessório do essencial; daqueles que fazem esta distinção, uma boa parte deixa-se rapidamente subjugar pelo acessório e só poucos, muito poucos, prosseguem sem claudicar a essência dos seus objectivos e projec- tos. Imagino que esta última venha a ser uma das características do "Ferreirismo", que a presidente do PSD não se deixará envolver em fait divers, não se desviará do seu caminho ao sabor das "cachas" e das aberturas dos telejornais, não será apanhada por cenários fictícios. Em Portugal, constantemente condenamos o presente ao efémero e comprometemos a previsibilidade do futuro. Manuela Ferreira Leite assumiu vir ocupar-se do presente, deste momento, desta circunstância histórica, ingrata e difícil, com uma lista de tarefas tridimensional - a recuperação da confiança do eleitorado no PSD, a desmistificação do fenómeno socrático, a bonança dentro do partido. E corre o risco sem exigir garantias de futuro para si própria. E dependerá do modo como ela se ocupar deste presente o como e o quanto do futuro próximo. Fá-lo por um elevado sentido de dever, mas vai fazê-lo com gosto e esse é, também, um traço importante do "Ferreirismo". Está na moda a distinção entre duas categorias de políticos: os pragmáticos e os humanistas. O contexto é sempre o mesmo, uma espécie de antonomia que radica na ideia de que quem é pragmático não pode ser humanista e quem é humanista não pode ser pragmático. Obviamente que não é assim e menos o será para alguém que se propõe estabelecer os fundamentos de um pensamento político e, simultaneamente, pô-lo em prática de acordo com uma estratégia e a táctica necessária. Manuela Ferreira Leite vai actuar com o pragmatismo que toda a governação obriga, mas pôs no topo da agenda as questões sociais, os novos pobres e o empobrecimento da pequena classe média. Ter princípios ontológicos e enfrentar a prática do dia-a-dia sem os desvirtuar não é impossível. Devia ser a regra e é, em qualquer caso, o desafio mais estimulante que a política nos oferece. Este também será um traço distintivo do "Ferreirismo".Os próximos tempos vão ser ainda mais difíceis, para todos e para ela também. Mas os tempos difíceis são bons para as mudanças e, no PSD, estas são condição da sua própria sobrevivência política. Por isso, se é certo que compete, agora, ao "Ferreirismo" o ónus da prova é igualmente verdade que o PSD não se poderá eximir da parte que lhe cabe. Daí que se possa esperar que quem não colabore, não obste.

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