quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

"Sócrates versus Sócrates"


DN 21/02/2008

SÓCRATES VERSUS SÓCRATES
Maria José Nogueira Pinto
Jurista

Na segunda-feira constatámos que ninguém faz aquilo melhor que José Sócrates: aquilo foi uma hora de televisão por conta do entrevistado não interessando nem a quantidade nem a qualidade dos entrevistadores. Num país onde os media instituíram o princípio de que "em política o que parece é", a Sócrates basta-lhe parecer, exercício em que se tornou exímio. Com rapidez e lógica, poucas premissas mas constantemente repetidas, números quanto baste, um tom levemente magoado quando se trata de qualquer ataque pessoal, uma certa impaciência face à incompreensão dos entrevistadores da importância do que estava a dizer, esse truque decisivo de falar para os espectadores por cima da cabeça dos jornalistas. Fez o que quis.Tornou tudo óbvio. Quando explicou que remodelou para que tudo continuasse na mesma. Afinal o único erro de Correia de Campos foi não ter sabido comunicar, perdeu a confiança dos portugueses, coisa que com bom marketing não acontece, veja-se o exemplo do primeiro-ministro. E quanto aos objectivos da governação, que se impôs e nos impôs? São obviamente aqueles que qualquer país desenvolvido já cumpriu e, portanto, indiscutíveis. Aliás, foi para nos desenvolver que ele se instalou em S. Bento.Mostrou-se, obviamente, um governante habilitado, capaz de fazer frente ao deficit público, ao estado da economia, ao desemprego. Atacou nas três frentes, tem estratégia e táctica, não fez como os outros, coitados, que só agarraram uma frente e deram com a economia de pantanas. Porque estas questões são complexas, só quem não sabe é que não entende, isto de subir meio ponto percentual aqui e descer um ponto acolá não é coisa simples. E ele é como um malabarista bem treinado, faz girar as três bolas em simultâneo. E agora que já está a casa mais arrumada vai puxar da sua consciência social, está visto que sim, são os velhinhos, os deficientes, as famílias, as crianças... Porque não é um insensível como dizem as más línguas, é apenas lúcido, pragmático. Mas estas atenções para com os mais carenciados vão muito a tempo, aliás vão mesmo a tempo.A resposta à pergunta se se vai recandidatar não foi exactamente um tabu, foi o mesmo que dizer: agora nada me distrai deste desígnio, não vou fazer demagogia para ganhar eleições, não baixo impostos mesmo que isso me crie problemas morais e a seu tempo se verá. Recado que dirige, pessoalmente, aos espectadores para que vejam nele o primeiro-ministro de todos os portugueses e também ao PS, partido de que é um filho incómodo, que já percebeu que não está no poder sem Sócrates e não está confortável no poder com Sócrates.Depois disto, que foi "o que pareceu", que concluir? Pode dizer-se que o primeiro-ministro vive de uma renda de situação, a situação em que se encontram os partidos da oposição. Mas se for precisamente o contrário, a oposição está assim porque Sócrates é assim? Pode dizer-se que o primeiro-ministro mentiu. Mas não mentiu. Não completamente e isso é quanto basta. Pode dizer-se que é um megalómano perito em propaganda. Mas o que parece excessivo e grandiloquente no seu discurso ele tem o cuidado de explicar que é ambição, ambição para Portugal, auto-estima nacional, punch e método.Ora, uma reeleição de Sócrates com maioria absoluta passa pela conquista do centro e até de alguma direita. Se fez a remodelação para calar a esquerda, foi para este potencial eleitorado que falou agora. Um eleitorado que gosta de resultados, de quem exerça a autoridade, de quem faça um discurso aparentemente consistente, de quem fale de govenação em vez de política, de quem não tenha nenhum conteúdo ideológico. Um eleitorado que, em Portugal, aumenta cada dia que passa.E os partidos de Direita? Parece estranha esta preocupação de se autofragmentarem em facções e tendências num momento como este! Esquecidos da distinção, essencial em política, entre inimigo próximo e inimigo principal. O inimigo próximo destes partidos são eles próprios. O inimigo principal é Sócrates.

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