terça-feira, 25 de setembro de 2007

Artigo de Opinião "Subprime" da autoria do Prof. Doutor Paulo Soares de Pinho, no Diário Económico de 26 de Setembro de 2007

Trata-se de um artigo de opinião bastante interessante e exemplificativo da situação em que muitas familias Portuguesas vivem.
Recomendo a sua leitura atenta.
Carlos Pinto Machado



‘Subprime’

Como os pais não são ricos Ana foi ao banco. Experimentou várias possibilidades, mas com o seu emprego mal-pago não arranjava um bom ‘spread’.
Paulo Soares de Pinho
Ana, divorciada e com dois filhos, decidiu comprar casa e saír da dos pais. O seu emprego numa loja de telemóveis não lhe permitia grandes ambições. Mas um T1, lá em Arrabaldes, podia ser uma possibilidade. Oferta não faltava mas, diziam-lhe, se não se despachasse os preços subiriam mais e deixaria passar uma boa oportunidade. Falou com um construtor, o simpático sr. Bravo, que lhe arranjou um apartamento de que gostou.Como os pais não são ricos foi ao banco. Experimentou várias possibilidades, mas com o seu emprego mal-pago não arranjava um bom ‘spread’. Mesmo pagando a 40 anos a prestação ficava a consumir-lhe 40% do ordenado. Não dava. Pensou em desistir. Um amigo recomendou-lhe outro banco. Ana veio de lá encantada: A prestação era muito mais baixa do que no anterior. Deram-lhe o empréstimo para a totalidade do preço, comprou a casa, mudou-se e, imagine-se, até lhe deram um “visa”. Estes sim, são simpáticos, não se cansou de dizer a toda a gente.Seis meses volvidos a prestação subiu. Foi ao banco e explicaram-lhe que a ‘Euribor’ tinha subido. Ana protestou, porque tinha um papel que lhe haviam dado e que mostrava o que iria pagar em cada ano. Ela sabia que a prestação subiria no final do primeiro ano, mas isto não esperava. A subida da prestação, em cima da do empréstimo que pediu para as mobílias, começava a incomodar. Seis meses depois, nova subida da prestação. Explicaram-lhe que terminou a “bonificação” do primeiro ano (como ela já sabia), mas em cima disso a tal ‘Euribor’ tinha voltado a subir. Ana suspirou. Graças ao “visa”, lá foi equilibrando a tesouraria do mês.Duas subidas da ‘Euribor’ depois, Ana começa a desesperar. A prestação da casa, da mobília e os pagamentos do “visa” começam a estrangulá-la. Foi ao banco e pediu para ver se a podiam ajudar. O senhor simpático do costume explicou que a maturidade do empréstimo já é de 40 anos, ao fim dos quais ainda fica por pagar 30% do empréstimo inicial. Já não é possível fazer nada: está “esticado ao limite”, explicou.Tentou uma dessas empresas que “baixam as prestações”. Eles olharam para a situação dela mas não encontraram solução. Explicaram-lhe que o saldo em dívida no empréstimo da casa era muito elevado face ao valor de mercado do imóvel. Ana não percebeu, mas resignou-se.Em Junho a loja onde trabalhava fechou. Ana não vê outra possibilidade a não ser vender a casa e voltar para junto dos pais. A senhora da imobiliária sugeriu-lhe um preço de venda cerca de 10% mais baixo do que aquele que Ana havia pago três anos antes. Explicou-lhe que havia ainda muitos andares à venda, por estrear, no prédio dela e em muitissimos mais. Os “usados” valem menos, garantiu.Foi falar com o construtor, na esperança de que ele recompre o apartamento. O sr. Bravo perdeu a alegria que o caracterizava. Explicou que não podia comprar nada porque nos três prédios que construiu 50% dos andares continuam por vender. E que as últimas vendas já foram a preços entre 10% a 15% mais baixos que os primeiros. Nos outros terrenos que adquiriu, graças a amigos influentes, está a atrasar as obras. Parece que na Expo ainda é pior. Felizmente, acrescentou, o banco tem sido compreensivo: já por duas vezes prolongou o prazo do empréstimo, mas só os encargos com os juros começam a pesar. A imobiliária telefonou: tem pessoas interessadas no andar. O preço está 15% abaixo do que ela pagou, mas afiançam-lhe ser bom negócio. Ana interroga-se: perdendo 15% mais os 5% da comissão da imobiliária, como irei pagar ao banco tudo o que devo?Voltou ao banco. Enquanto esperava viu no jornal da sala de espera que um tal Rato do FMI receava uma crise imobiliária (que será que estes tipos do FMI irão inventar mais, questionou-se). No banco mostraram-se compreensivos. Disseram-lhe que iriam conceder um período de carência, prolongar o prazo por mais um ano e que logo que arranje trabalho recomeça a pagar. Acordei. Tudo não passou de um pesadelo. Ana é funcionária pública e desconhece o visa e o desemprego. Na rádio oiço alguém, que diz que sabe, garantir que não existe subprime em Portugal.
Paulo Soares de Pinho, ‘PhD Banking and Finance’ e professor da Faculdade de Economia da UNL

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